feiticeira
deu de presente a mandinga
que exagerou o denso negror
dos teus olhos
fui tentar encarar, vi um abismo
que me olhou de volta
na mesa do bar ou na dança
teu olhar me balança, teu toque sem hesitar
é muita unha pra pouca pele
me desvele onde eu toco e tu vai tocar
não parecia, mas éramos dois
depois, luz de sangue
o sol se punhal desaguando nossa fé
feche seus olhos e lamba o céu
se então nus em pelo morreremos
que seja embaixo dos lençóis
um passo à frente e três atrás
era pra ser dança, agora é só lembrança
mas deixe estar, o mundo gira devagar
se um lado é avesso e turvo, o outro lado
é tanta luz, a olhos nus qualquer um pode enxergar
você pra lá e eu pra cá
dava pra ser xote e não passou de trote
é sempre assim: tudo é começo, meio e fim
se um lado é atento e justo, o outro lado
não faz jus, não diz adeus nem aonde quer chegar
eu distribuía saltos mortais
e você se distraia vendo o céu mudar de cor
me esforcei pra decifrar os sinais
impossível definir se aquilo dali era amor
ou se eu só bebi demais
se é tempo de preguiça
desata, desata, desata, desata
desfaz botão, camisa
estrada, estrada, estrada, estrada
já basta ser formiga
cigarra, cigarra, cigarra, cigarra
agora é que ficou bom
não pára, não pára, não pára, não pára
hoje eu vou madrugar
ver a flor nascer
força que abre o chão sem pá
impossível de deter
assistir ao céu bailar
lua e sol, anarriê
firmamento a farrear
só a madrugada vê
noite que acortina o sol
sopro que faxina o luar
dessa vida só sabe quem madrugar
quero ver quem colhe a prece
e repõe em seu lugar
a esperança muda, flor do madrugar
vai se recolher luar
no final do céu
não sem antes transbordar
sutileza em todo breu
vem o sol desempenhar
seu papel de astro-rei
luz que urge o despertar
anuncia o amanhecer
tudo que eu não pude ver
nem tampouco desvendar
me aguarda ansioso n'outro madrugar
esperança pranto pressa
voz mistério véu pulsar
astros em ciranda e olhar alheio ao mar